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segunda-feira, 31 de março de 2014

Os militares no pré-1964 – II

A conspiração para o Golpe Militar de 1964 na visão de alguns analistas teve início muito antes do seu “esplendor” na noite de 31 de março para 1º de Abril - aliás, porque tanta gente insiste que o golpe foi em 31 de março, quando na verdade as tropas de Olimpio Mourão Filho chegaram a Guanabara na madrugada do dia da mentira?. Kennedy Alencar em análise recente na r...ádio CBN disse que os militares já se organizavam desde a época de Getúlio Vargas. Eu iria mais longe.
Desde 1922, com os Dezoito do Forte de Copacabana e o posterior movimento tenentista em 1924, que os militares tentariam tomar de assalto a república: em 1930, apoiariam a Revolução liderada por Getúlio; em 1937, com a intensidade das lutas entre comunistas e integralistas, dariam o respaldo militar para o Estado Novo; após a Segunda Guerra Mundial, retiram o apoio a Vargas, sustentando a candidatura do Mal. Eurico Gaspar Dutra; em 1954, eram uma das forças ocultas acusadas na carta-testamento de Vargas; em 1955 tentam impedir a posse de Juscelino Kubitschek tomando o cruzador Tamandaré e, posteriormente, desestabilizam o governo com os movimentos de Jacareacanga e Aragarças, com intuito de apear JK a força; após a renúncia de Jânio Quadro em 1961, impedem a posse de João Goulart, costurando a alternativa do parlamentarismo; entre 1961 e 1964 subvertem a malfada hierarquia militar, incentivando apoio a conspiração na ante-sala do Ministro da Guerra da época; em 1º de abril, conseguem o objetivo de derrubar o presidente e chegam ao poder.
É óbvio que colocar todos esses movimentos em uma explicação única não explica as particularidades que existiram em cada um deles. Como exemplo, Luis Carlos Prestes fez parte do tenentismo. Entretanto, demonstra que o caráter intervencionista existia nas Forças Armadas e foi regularmente estimulado pelos sucessos e insucessos da incursão militar no meio da política.
As Forças Armadas no pré-64 se divida em muitas tendências e movimentos. Porém os conspiradores se dividiriam em duas linhas de ação: a chamada Sorbonne, militares ligados a Escola Superior de Guerra e que se escoravam numa aliança com os civis conspiradores e tinha um projeto de nação pensado e elaborado antes do golpe. Havia os da linha-dura, militares que não viam os políticos de qualquer origem com bons olhos. A linha-dura ganha esta alcunha após o golpe. São os militares da caserna e que vão defender desde o início cassações e processos sumários como forma de “limpar” o meio político. Vão ser o fator de tensão permanente no interior das Forças Armadas. A primeira tendência tinha como expoente o General Castelo Branco; enquanto que a segunda tendência, se aliaria a totens de ocasião, principalmente aquele que pudesse se contrapor a linha da Sorbonne. Artur da Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici e Sílvio Frota serviam para essas vozes radicais no interior do exército.
Havia também uma linha legalista que dava suporte ao presidente João Goulart. Liderada principalmente pelo General Jair Dantas Ribeiro, era orgulhosamente chamado de dispositivo militar do presidente, a arma contra o golpe. Comunistas do PCB confiaram tanto neste aparato, sendo inclusive uma das razões para não ter havido nenhuma reação do partido contra o golpe. Havia também comunistas entre os militares. Muitos. A leniência em reagir por parte de Jango fez com que rapidamente os militares golpistas se arvorassem na institucionalidade e na legalidade. Amparada por empresários e imprensa, a noite do golpe se tornou uma renovada Batalha de Itararé. Isto fica para outro texto.
Enfim, dizer que os militares não sabiam o que fazer quando golpearam a democracia em 1964 é um engano terrível. Os estudos na Escola Superior de Guerra eram muito anteriores a Jango. Outro engano é acreditar que os militares pretendiam ficar apenas dois anos no poder e voltar para a caserna. Se este era o objetivo de Castelo Branco, não coadunava com as vozes extremadas dos quartéis que pretendiam ficar muito tempo. E ficaram.

Publicada em 25/03/2014
50 anos do Golpe Militar de 1964 - I

Acabo de entrar no site que convoca as pessoas para a Marcha da Família com Deus e o “Diabo na Terra do Sol” para o dia 22 de Março agora. Invocando a marcha mais famosa, aquela que contava com a organização do IPES e IBAD, realizada em março de 1964 e que levou 200 mil pessoas para as ruas. Falava-se naquela época em 500 mil. Alguns otimistas em 1 milhão. A v...erdade é que os números inflacionados da época já correspondiam a uma contrapropaganda que preparava o golpe, portanto impossível de se saber. Mas o número de 200 mil, para cronistas que acompanharam in-loco é bastante plausível. Bem da verdade é que a marcha démodé, convocada por um cidadão que desconheço, mas que aparece direto na televisão e em sites, não conta com mais de 1.200 adesões. Qualquer “rolezinho” no Shopping vai mais pessoas.
Oportuno lembrar que os 50 anos do golpe desperta uma série de interrogações que vão desde a quantidade de mortos pela ditadura (“oficialmente” se fala em 400 e poucos), até a sua herança bendita ou maldita que resvala diretamente na sociedade que temos hoje. Incentiva oportunista como o acima citado e outros que se resignam diante do passado.
Quando se começa a falar sobre o Golpe Militar é condição importante saber da onde o pseudo-intelectual escreve, pois isto vai determinar o seu olhar sobre um fenômeno da história tão estudado por todos. Este que vos escreve, é um ex-pesquisador da ditadura que “levantou” a vida de um general do exército “fác-tótum” (faz-tudo) do General-ditador de turno Artur da Costa e Silva. Não será sobre ele que escreverei nos próximos textos, mas foi a partir dessa experiência que pude ler muitas coisas sobre a Ditadura, o Golpe, a Conspiração, o AI-5, etc. A ponto de virar um longo objeto de estudo, concluído em 2008.
Desde 1994, se rememora o Golpe Militar, dando voz a facetas que até então eram obscurecidas. Os personagens vão mudando. Por exemplo, em 1994 em um evento de rememoração realizado na Unicamp, algumas mesas eram compostas por Octávio Ianni, Jacob Gorender, Nelson Werneck Sodré, Florestan Fernandes e Ênio Silveira. Em 2004, pude assistir uma mesa com Francisco de Oliveira, além de conversar com Apolônio de Carvalho. Nessa mesma época conheci Maria Amélia Teles em um evento do Desarquivando Brasil.
Em 2014, para além do que ocorre nas universidades que eventualmente trazem uma carga mais profunda de pesquisa e, por isso mesmo, ampla e diversa, ouvimos bobagens como “a ditadura no Brasil foi branda”, “evitou-se uma ditadura comunista”, “não houve ditadura”, etc. Bobagens, pois não as respeito quando são proferidas. E devem assim ser rebatidas.
No momento em que perdemos valorosos intelectuais, passamos a considerar Lobão como um entendido no assunto; no momento em que algumas pessoas que lutaram contra a ditadura fazem o movimento de se silenciar, se dobrando a uma tentação conservadora e conciliadora, ficamos perdidos, sem referências no assunto; enfim, o objeto se torna cada vez mais opaco e distante, fermentando análises “novas”, mas que possuem receitas antigas.
É importante enfrentar as meias verdades que se criam em torno do Golpe Militar. Sendo verdadeiro que o quanto mais nos distanciamos do fato, mais inferências podemos fazer dele, portanto, explorar outras possibilidades e matizar algumas verdades, é também correto que não se pode permitir que essa assertiva da História sirva para relativismos ou anacronismos que “criam” novas verdades hegemônicas. E para começar, houve sim um Golpe, foi sim militar, mas não apenas e, foi sim uma ditadura.

Publicada em 19/03/2014